Conclusões preliminares sobre a Assembleia Geral da ONU de 2023

Foto: Rob Young/Flickr

Brasília | 25 de setembro de 2023 | por Leonardo Brito; Rodney Amador

Apesar da posição privilegiada do Brasil no topo da lista de oradores do debate de alto nível da Assembleia-Geral da ONU incentivar alguma perda de interesse, o evento continua ocorrendo em Nova Iorque até a próxima terça-feira. Aguarda-se ainda, por exemplo, as falas de membros permanentes do Conselho de Segurança, como o Reino Unido e a Rússia, e de importantes potências emergentes, como o México, a Indonésia e a Arábia Saudita.

No seu ponto médio, contudo, já é possível destacar algumas conclusões preliminares sobre esta edição. Confira:

EMERGÊNCIAS CONSENSUAIS

Tornaram-se inevitáveis, no mais universal dos fóruns políticos globais, as referências aos eventos climáticos extremos, seja ao prestar condolências aos desastres mais recentes no norte da África, seja em eventos às margens da Assembleia. Como destacou António Guterres, secretário-geral da ONU, “a humanidade abriu as portas do inferno”. Outra preocupação quase consensual é com a estagnação, ou até retrocesso, da Agenda 2030. Segundo alardeado na Cúpula dos ODS, apenas 15% das metas firmadas estão avançando devidamente. 

A emergência ambiental também motivou a uma Cúpula de Ambição Climática, mas chama a atenção que EUA e China, os dois países mais poluentes do planeta, além da Índia, não tenham se qualificado para participar porque não repactuaram metas mais rigorosas para si.

REFORMA DO MULTILATERALISMO

Outro tema que tem recebido ampla atenção é o da reforma das instituições multilaterais tradicionais, como os organismos de Bretton Woods, FMI e Banco Mundial, e o Conselho de Segurança (CSNU). Apesar de – em contraposição ao seu antecessor, Donald Trump – ter se comprometido a sustentá-las, o presidente dos EUA, Joe Biden, voltou a sinalizar em favor de reformas como a expansão dos membros permanentes e não-permanentes do CSNU e pela ampliação do escopo de atuação do Banco Mundial e maior representatividade de países em desenvolvimento no FMI.

COMPETIÇÕES GEOPOLÍTICAS

Apesar de não ter dominado a pauta como em 2022, o conflito na Ucrânia continuou bastante presente, inclusive na medida em que inspira competição por atenção de outras crises, das novas, como o conflito Armênia-Azerbaijão e os golpes no Sahel, às antigas, como a questão palestina e as situações no Haiti e na RD Congo.

A competição estratégica entre EUA e China foi admitida pelo estadunidense Biden, que a enquadrou dentro de uma visão de “des-risco”, não de “des-vínculo”, e negou que seu país buscasse conter o segundo. Já o vice-presidente da China, Han Zheng, rejeitou que seu país tivesse pretensões hegemônicas, o tratou como “membro natural do Sul Global” e se opôs à “mentalidades da Guerra Fria”. Han não abordou a reforma do CSNU.

IA E A AGENDA DIGITAL EM PAUTA

Ainda outro tema de destaque nas falas de diversos líderes foi a pauta digital, especialmente a questão do uso de Inteligência Artificial generativa. Como bem destacou o secretário-geral Guterres em seu discurso de abertura “Quando mencionei a Inteligência Artificial no meu discurso na Assembleia Geral de 2017, apenas dois outros líderes mencionaram o termo. Agora, a IA está na boca de todos: um tema que provoca admiração e medo”. Para Guterres, essas novas tecnologias podem contribuir para  “o discurso de ódio, a desinformação e as teorias da conspiração nas redes sociais […] minando a democracia e alimentando a violência e os conflitos na vida real”. 

O tema também apareceu, sugerindo disposição para a consolidação de um marco regulatório multilateral e até de uma eventual nova agência internacional para a IA, nas falas de líderes como Joe Biden (EUA), Han Zheng (China), Yoon Suk Yeol (Coreia do Sul), Giorgia Meloni (Itália).  O tema já está presente na agenda multilateral, tendo sido discutido inclusive no Conselho de Segurança, e deve ser um dos principais itens de trabalho com vistas à Cúpula do Futuro, que será realizada em setembro de 2024 e busca fomentar avanços nos grandes temas da agenda multilateral.

CALOUROS DE DESTAQUE

Como em todos os anos, essa edição do debate de alto nível contou com o discurso de estreia de novos líderes internacionais, como a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni; e os presidentes do Quênia, William Ruto, do Paraguai, Santiago Peña.

A primeira tem se destacado como referência da direita mais conservadora e nacionalista na Europa. Além de abordar os riscos da IA, Meloni apresentou sua visão sobre uma agenda anti-imigração focada no combate às redes de tráfico humano e na cooperação para contribuir com o desenvolvimento de países africanos, cujo histórico de exploração e interferências estrangeiras ela denunciou.

Nesse sentido, o novo líder queniano chamou atenção por tratar do multilateralismo contemporâneo como “quebrado” e por apresentar a disposição do seu país de liderar uma missão internacional de apoio à segurança no Haiti, cuja autorização ele cobrou do mesmo Conselho de Segurança que ele caracterizou como “disfuncional, não-democrático, não-inclusivo, não-representativo, e, portanto, incapaz de entregar progresso significativo”.

Por último, coube a Santiago Peña representar uma nova geração de líderes sul-americanos no plenário das Nações Unidas. Em seu discurso, ele apresentou o Paraguai como uma referência de sustentabilidade, em especial em função de sua matriz de energia elétrica limpa, e prometeu consolidar o país como um grande hub logístico da América do Sul. Também chamou atenção pela defesa explícita do apoio à Ucrânia no conflito com a Rússia e da retomada do status de membro pleno do sistema ONU para a República da China (Taiwan).