Insuficiente, mas não insignificante: o saldo misto da Cúpula da Amazônia

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Brasília | 11 de agosto de 2023 | por Leonardo Brito

Guardadas as devidas proporções, a IV Cúpula da Amazônia, realizada em Belém (PA) no início da semana foi um importante teste, de resultados coerentes, para a realização da COP30 da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas na mesma cidade em 2025. 

Importante porque a cidade demonstrou ser capaz de receber sem incidentes trágicos (ainda que com deficiências de infraestrutura urbana e hoteleira) seus convidados estrangeiros, desde as autoridades de uma dezena de países vizinhos, próximos e distantes, até as várias entidades da sociedade civil organizada que participaram de cerca de 400 atividades preparatórias. De resultados coerentes porque a Cúpula entregou, no mesmo pacote, as promessas e as frustrações que já são típicas dos grandes eventos da agenda global do clima.

Parte significativa da frustração com os resultados apresentados foi encapsulada em um fio no antigo Twitter pelo ator Mark Ruffalo, que faz o Hulk no universo cinematográfico da Marvel e, já desde o governo anterior, criou o hábito de interagir com a política brasileira pela rede social. Nesse fio em português, com 26 mil curtidas, Ruffalo equilibra o morde e assopra, mas mais morde. Chama o presidente Lula de “um dos meus heróis” e celebra novas “proteções fundamentais para os Povos Indígenas”, mas lamenta a falta “de metas concretas para proteger a floresta” e, ao pedir que Lula seja mais corajoso nos anúncios à Assembleia Geral da ONU no próximo mês, alerta: “Estamos com você – e estamos de olho”.

Ruffalo também coloca o dedo na ferida. Apesar da Cúpula ter reiterado a capacidade convocatória do presidente Lula, ficou consolidada na cobertura midiática – brasileira e estrangeira – a posição muito mais ousada do presidente da Colômbia, Gustavo Petro. Numa mensagem direcionada e inicialmente elogiosa a Lula como a de Ruffalo, chama atenção que já no 3º de 7 tuítes o foco da audiência seja redirecionado para o colombiano, que é tratado como “exatamente o tipo de liderança que a humanidade precisa agora” por defender a “meta de proteger 80% da floresta até 2025” e o fim da “extração de petróleo na Amazônia”. Sob o contraste com Petro, Lula, na sequência, é retratado como o líder que “pode fazer a diferença” (i.e. ainda não faz) e que vive “your moment to be the next Nelson Mandela. IF you get it done” (grifo no “if” dele e em inglês porque a tradução para o português suavizou a acidez da mensagem).

Quem também foi motivado pela Cúpula para aparecer como lusófono no Twitter foi o presidente da França, Emmanuel Macron. Ele também publicou um texto em português em que agradece ao presidente Lula pela organização da Cúpula e apresenta a posição francesa como a defesa de um “modelo que consiste em conciliar a preservação da natureza e o desenvolvimento econômico, remunerando os serviços prestados, a todo o planeta, pelos Estados que abrigam as florestas”. 

Diferentemente da mensagem de Ruffalo, esta foi reconhecida pelo presidente Lula, cuja conta oficial no Twitter agradeceu de volta. Não obstante, nenhum comentário foi feito por Lula sobre a menção elogiosa de Macron, no mesmo texto, ao papel de ‘impulsionador’ da França à “decisão histórica da União Europeia de não mais contribuir para a importação de produtos ligados ao desmatamento”. 

A ironia é que tanto os “não-cumpridos” compromissos de financiamento dos países desenvolvidos, quanto “a adoção de medidas para combater as mudanças climáticas […] que constituam um meio de discriminação arbitrária […] ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional” foram duramente criticados no comunicado conjunto “Unidos por Nossas Florestas”, produto da reunião da Cúpula com representantes dos dois Congos, da Indonésia e da CELAC. A crítica é obviamente a países como a França, que não assinou o comunicado apesar de ter estado representada no evento. Aliás, dado o tanto que Lula insistiu publicamente em convidar representantes franceses para o evento motivado pela participação da Guiana Francesa no bioma amazônico, outra frustração a ser contabilizada – essa em desfavor da disposição do governo brasileiro, ao invés do contrário – é que a França só tenha sido representada no evento por sua embaixadora em Brasília.

Como Ruffalo, o saldo final da Cúpula também foi criticado pelo secretário- -executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini. Para ele, “o documento pecou pela falta de contundência. Ele é uma lista de desejos, e os desejos são insuficientes”. Apesar de insuficiente, contudo, os resultados do evento não são insignificantes. É só que as boas notícias tendem a ser os avanços institucionais, que são de mais fácil acordo.

Como com a Cúpula de chefes de Estado da América do Sul de Brasília em maio, a própria realização do evento é relevante. A despeito da crescente atenção global dedicada a temas ambientais nos últimos 15 anos, os chefes de Estado da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) não se reuniam desde 2009 e, reunidos em 2023, puderam acordar o significativo reforço institucional para a própria OTCA, que pode cumprir papel fundamental na articulação de iniciativas de cooperação regional. 

Em seu âmbito, anunciou-se a intenção de constituir “um mecanismo financeiro para captar e capitalizar recursos não reembolsáveis” e criar o Painel Técnico- -Científico Intergovernamental da Amazônia, que organizará o consenso científico sobre a região. Também se abriu uma nova dimensão de cooperação focada no combate ao crime organizado com a oferta, pelo Brasil, do Centro de Cooperação Policial Internacional em Manaus e a promessa de um Sistema Integrado de Controle de Tráfego Aéreo. Já os bancos de desenvolvimento da região anunciaram a criação da Coalizão Verde, liderada pelo BNDES e BID.

Ademais, ainda que não tenha alinhado uma meta comum, a Declaração de Belém estabelece “a consciência quanto à necessidade urgente de cooperação regional para evitar o ponto de não-retorno na Amazônia” e “salienta a urgência de pactuar metas comuns para 2030 para combater o desmatamento”. Essas metas devem ser organizadas através da “Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento entre os Estados-Partes”, que também é produto da Cúpula. Não é suficiente, mas não é insignificante.