Brasília | 21 de setembro de 2023 | por Leonardo Brito
Quando comparada às últimas participações do líder brasileiro neste fórum, a fala do presidente Lula chama atenção pelo engajamento mais direto com temas do topo da agenda internacional e por uma menor ênfase na apresentação de conquistas domésticas. Ambos são elementos que costumam se fazer presente nos discursos à Assembleia-Geral e que certamente compuseram a fala de Lula nesta oportunidade, mas que, em anos recentes, vinham aparecendo na relação inversa (ou seja, com maior ênfase às referências à agenda doméstica e menor engajamento com a agenda internacional).
O principal alvo da fala de Lula foi o combate às desigualdades, às quais ele atribuiu a raíz de diversos fenômenos negativos (a crise climática, a “insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas”, o racismo, a intolerância e a xenofobia) ou seu agravamento. Ele fez questão de apresentar os eixos prioritários da presidência brasileira do G20 (“inclusão social e combate à fome, desenvolvimento sustentável e reforma das instituições de governança global”) e, frente ao interesse internacional sobre a expansão dos BRICS, pareceu apresentar sua própria visão sobre o bloco (“o BRICS surgiu na esteira desse imobilismo [das instituições econômicas multilaterais] e constitui uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre países emergentes. A ampliação recente do grupo […] fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século XXI”).
O discurso ainda for marcada por 7 interrupções de aplausos da audiência composta por autoridades estrangeiras.
As interrupções foram motivadas pelos seguintes momentos na fala de Lula:
“O Brasil está de volta”
“No Brasil, estamos comprometidos a implementar todos os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, de maneira integrada e indivisível. Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um 18º objetivo que adotaremos voluntariamente”
“Aprovamos a lei que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função”
“Ao longo dos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi reduzido em 48%”
Críticas ao “neoliberalismo”, sob cujos “escombros surgem aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário”
“É fundamental preservar a liberdade de imprensa. Um jornalista, como Julian Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima”
“O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo”
REAÇÕES DOMÉSTICAS
Thiago Amparo, da Folha de S. Paulo
“Se o discurso de Lula repetiu o foco na desigualdade já presente na última fala há 14 anos na mesma tribuna da ONU, nos últimos meses a estatura internacional do país elevou-se rápida e considera- velmente […] O Brasil que subiu a tribuna é respeitado não por merecer aplauso, mas por ser digno de ser ouvido com atenção.”
Oliver Stuenkel, do Estadão
“Houve uma tentativa de Lula de dizer que o Brasil gostaria de se destacar no combate às mudanças climáticas, desigualdades e a favor da reforma das instituições, e acredito que são essas questões que o Brasil pode brilhar”
Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, embaixador aposentado
“Tive até prazer de ouvir. Às vezes esses discursos são monótonos, mas este, ao contrário, está bem escrito. Não está naquela linguagem repetitiva […] É um discurso severo, de uma situação mundial grave, e Lula mostra que há um problema coletivo, um problema que afeta a humanidade em conjunto”
Rogério Marinho (PL/RN), líder da Oposição no Senado
“Lula diz que o Brasil está de volta. Mas eu me pergunto: voltamos a quê? À desesperança econômica? À desconfiança do povo brasileiro com o desgoverno do PT? Ou à velha prática de flertar com regimes autoritários? O Brasil merece mais do que a narrativa lulista […]”.
REAÇÕES ESTRANGEIRAS
Brian Winter, do Americas’ Quarterly:
“Esse discurso foi Lula reivindicando ser a verdadeira voz do Sul Global, um manto que aspira compartilhar com Modi.”
“O discurso foi muito ambicioso, […] mais do que há 20 anos”
David Biller, da Associated Press:
“O presidente utiliza o slogan [“O Brasil voltou”] para apresentar o Brasil – e a si próprio – como um líder do Sul Global que já não aceita o funcionamento ultrapassado do mundo.
“As divergências de Lula ficaram evidentes quando ele denunciou a política de Washington em relação a Cuba.”
AlJazeera:
“O presidente brasileiro alertou sobre o ‘risco de golpe’ na Guatemala […], provocando uma reação do presidente em fim de mandato desse país.”
Jack Nicas, do The New York Times:
“O brasileiro, como esperado, está apelando aos países mais ricos para que façam mais para combater as mudanças climáticas. […] Também citou a dependência do Brasil de energia renovável, mas o que ele não notou: a produção de petróleo do Brasil também está crescendo, e seu governo está travando uma briga sobre a perfuração de petróleo perto da foz de um grande rio da Amazônia.”