Os três primeiros oradores do debate da Assembleia-Geral da ONU

Foto: Patrick Gruban/Flickr

Brasília | 21 de setembro de 2023 | por Leonardo Brito

Foi aberto ontem (19) o debate de alto nível da 78ª sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Como é tradicional, o evento, que durará até a próxima semana, foi inaugurado por discursos do secretário-geral da ONU, António Guterres; do presidente do Brasil, Lula da Silva; e do presidente dos EUA, Joe Biden.

Os três líderes abordaram temas comuns, ainda que de diferentes perspectivas. Das convergências, destaca-se a forte ênfase à crise climática e o reconhecimento da necessidade de reformar organizações multilaterais, com destaque para o Conselho de Segurança, o FMI e o Banco Mundial. Das divergências, há crises que constam no radar de uns (a Coreia do Norte e o Irã, para os EUA; a Guatemala, para o Brasil) e não de outros (Inteligência Artificial não constou no discurso de Lula).

A seguir, confira os destaques dos discursos dos “três primeiros” sobre:

O ESTADO DO MUNDO

Secretário-geral da ONU, António Guterres:

“Nosso mundo está ficando desequilibrado (unhinged).”

“Estamos nos encaminhando para um mundo multipolar e isso é, em muitos sentidos, positivo. Iimplica novas oportunidades de justiça e equilíbrio nas relações internacionais. Mas a multipolaridade sozinha não consegue garantir a paz. […] Um mundo multipolar precisa de instituições multilaterais fortes e efetivas.”

Presidente do Brasil, Lula da Silva:

“A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da Covid-19; a crise climática; e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas. […] Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria ‘desigualdade. […] Para vencer a desigualdade, falta vontade política

“Continuaremos críticos a tentativas de dividir o mundo em zonas de influência e de reeditar a Guerra Fria.”

Presidente dos EUA, Joe Biden:

“Os Estados Unidos buscam um mundo mais seguro, mais próspero e mais equitativo para todos, porque sabemos que o nosso futuro está ligado ao de vocês. E nenhuma nação pode enfrentar sozinha os desafios de hoje.”

“Em todas as regiões do mundo, os Estados Unidos estão mobilizando alianças fortes, parcerias versáteis, objetivos comuns e ações coletivas para trazer novas abordagens aos nossos desafios partilhados. Nenhuma dessas parcerias pretende conter qualquer país. Trata-se de uma visão positiva para o nosso futuro partilhado. Sobre a China, quero ser claro e consistente: Procuramos gerir com responsabilidade a concorrência entre os nossos países para que não se incline pelo conflito.”

REFORMA DAS INSTITUIÇÕES MULTILATERAIS

Secretário-geral da ONU, António Guterres:

“É hora de renovar nossas instituições multilaterais com base nas realidades políticas e econômicas do século XXI […]. Isso significa reformar o Conselho de Segurança para alinhá-lo com o mundo de hoje, significa redesenhar a arquitetura financeira internacional para que esta se torne verdadeiramente universal e sirva de rede de seguridade global para países em apuros.”

“Eu não tenho ilusões. Reformas são questões de poder e eu sei que há muitos interesses concorrentes, mas a alternativa à reforma não é o status quo. A alternativa à reforma é ainda mais fragmentação. É reforma ou ruptura.

Presidente do Brasil, Lula da Silva:

“Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução.” 

“A representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável.”

“O protecionismo dos países ricos ganhou força e a OMC permanece paralisada, em especial o seu sistema de solução de controvérsias.”

“As sanções unilaterais causam grande prejuízos à população dos países afetados. Além de não alcançarem seus alegados objetivos, dificultam os processos de mediação, prevenção e resolução pacífica de conflitos.”

“O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade. […] Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia.”

Presidente dos EUA, Joe Biden:

“As instituições que nós construímos juntos no final da 2ª Guerra Mundial são um consistente alicerce do nosso progresso e os EUA estão comprometidos em sustentá-las. […] Também reconhecemos que, para enfrentar os novos desafios, nossas instituições […] devem ser atualizadas

“No meu discurso ano passado, eu anunciei que os EUA apoiarão a expansão do Conselho de Segurança, aumentando o número dos seus membros permanentes e não-permanentes. […] Precisamos de mais vozes, mais perspectivas à mesa.”

“Os EUA estão trabalhando […] para fazer das instituições globais mais responsivas, mais efetivas e mais inclusivas. Por exemplo, tomamos medidas significativas para reformar e ampliar o Banco Mundial, para expandir seu financiamento de países de baixa e média renda para que possa ajudar a fomentar progresso nos ODS e lidar com desafios como as mudanças climáticas.”

“Da mesma forma, nós propomos garantir que países em desenvolvimento tenham vozes fortes e representação no FMI. Continuaremos com esforços para reformar a OMC e preservar competição, abertura, transparência e o estado de direito”

AGENDA CLIMÁTICA

Secretário-geral da ONU, António Guterres:

“Devemos estar determinados a enfrentar a ameaça mais imediata ao nosso futuro: o sobreaquecimento do nosso planeta. […] Acabamos de sobreviver aos dias mais quentes, aos meses mais quentes e ao verão mais quente já registrados. Por trás de cada recorde quebrado estão economias quebradas, vidas quebradas e nações inteiras à beira do colapso.”

“Ainda há tempo para manter o aumento das temperaturas dentro dos limites de 1,5 graus do Acordo de Paris. Mas isso exige medidas drásticas agora.”

As etapas imediatas incluem: Fim do carvão – até 2030 para os países da OCDE e 2040 para o resto do mundo; fim dos subsídios aos combustíveis fósseis; e um preço para o carbono. Os países desenvolvidos também devem finalmente disponibilizar os 100 bilhões de dólares para a ação climática nos países em desenvolvimento, como prometido; duplicar o financiamento para adaptação até 2025, como prometido; e reabastecer o Fundo Verde para o Clima, como prometido. Todos os países devem trabalhar para operacionalizar o fundo de perdas e danos este ano e garantir a cobertura universal do Sistema de Alerta Prévio até 2027.”

Presidente do Brasil, Lula da Silva:

“Agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. […] A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado. Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas.” 

“No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível. […] Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo. […] Com o Plano de Transformação Ecológica, apostaremos na industrialização e infraestrutura sustentáveis.”

“Ao longo dos últimos oito meses, o desmatamento na Amazônia brasileira já foi reduzido em 48%. O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, a Amazônia está falando por si.”

“Queremos chegar à COP 28 em Dubai com uma visão conjunta que reflita, sem qualquer tutela, as prioridades de preservação das bacias Amazônica, do Congo e do Bornéu-Mekong a partir das nossas necessidades.”

Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade. A promessa de destinar 100 bilhões de dólares anuais para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa. Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares.”

Presidente dos EUA, Joe Biden:

“No ano passado, sancionei, nos EUA, o maior investimento da história do mundo para combater a crise climática e ajudar a mover a economia mundial na direção de um futuro de energia limpa.”

“Também estamos trabalhando com o Congresso [dos EUA] para quadruplicar nosso financiamento climático para ajudar países em desenvolvimento a alcançar objetivos climáticos e adaptar a impactos climáticos.”

Este ano, o mundo está encaminhado para cumprir o compromisso de financiamento climático feito no âmbito do Acordo de Paris: 100 bilhões de dólares, mas precisamos de mais investimento no sector público e privado, especialmente em locais que contribuíram tão pouco para emissões globais como as ilhas do Pacífico.

AGENDA 2030 E OS ODS

Secretário-geral da ONU, António Guterres:

“A paz está inexoravelmente ligada ao desenvolvimento sustentável. Vemos um padrão familiar em todo o mundo: quanto mais próximo um país estiver do conflito, mais longe estará dos ODS.”

“A Cúpula dos ODS de ontem foi sobre um plano de resgate global para aumentar o apoio de bilhões para trilhões.”

Presidente do Brasil, Lula da Silva:

“A mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento – a Agenda 2030 – pode se transformar no seu maior fracasso.”

“Nesses sete anos que nos restam, a redução das desigualdades dentro dos países e entre eles deveria se tornar o objetivo-síntese da Agenda 2030. Reduzir as desigualdades dentro dos países requer incluir os pobres nos orçamentos nacionais e fazer os ricos pagarem impostos proporcionais ao seu patrimônio.”

Presidente dos EUA, Joe Biden:

“Para acelerar o nosso progresso na direção dos ODS, todos temos de fazer mais. Construir novas parcerias, desbloquear bilhões de financiamento adicional para o desenvolvimento, recorrendo a todas as fontes.”

“Também temos de fazer mais para lidar com a dívida que atrasa tantos países de baixo e médio rendimento. Quando nações são forçadas a pagar juros de dívidas insustentáveis em detrimento das necessidades do seu próprio povo, torna-se mais difícil investir no seu próprio futuro.”

“Os EUA também continuarão a ser o maior país doador de assistência humanitária […]. Cooperação e parceria, estas são as chaves para o progresso nos desafios que nos afetam a todos e a base para uma liderança global responsável.”

AGENDA DIGITAL

Secretário-geral da ONU, António Guterres:

“Muitos dos perigos das tecnologias digitais não estão no horizonte. Eles estão aqui.”

“Precisamos urgentemente de um Pacto Digital Global entre governos, organizações regionais, o setor privado e a sociedade civil para mitigar os riscos das tecnologias digitais e identificar formas de fomentar seus benefícios para a humanidade”

“Alguns têm conclamado por uma entidade global para Inteligência Artificial que possa atuar como uma fonte de informação e expertise para estados-membros. […] A ONU está pronta para sediar as discussões globais e inclusivas necessária a depender da decisão dos estados-membros.”

Presidente do Brasil, Lula da Silva:

Políticas ativas de inclusão nos planos cultural, educacional e digital são essenciais para a promoção dos valores democráticos e da defesa do Estado de Direito.”

“Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos. Aplicativos e plataformas não devem abolir as leis trabalhistas pelas quais tanto lutamos.”

Presidente dos EUA, Joe Biden:

“Tecnologias emergentes, como a Inteligência Artificial, implicam enormes oportunidades e enormes perigos. Precisamos estar seguros de que as usaremos como ferramentas de oportunidades, não como armas de opressão.”

“Os EUA estão trabalhando para reforçar regras e políticas para que as tecnologias de IA sejam seguras antes de serem liberadas ao público, para garantir que nós governemos estas tecnologias e não o contrário […]. Eu estou comprometido a trabalhar através desta instituição, de outros órgãos internacionais e diretamente com líderes mundiais, inclusive nossos competidores, para assegurar que aproveitemos o poder da IA para o bem protegendo nossos cidadãos de seus mais profundos riscos.”

OUTRAS CRISES DESTACADAS

Secretário-geral da ONU, António Guterres:

  • Deterioração do regime de desarmamento nuclear;
  • Golpes no Sahel;
  • Guerra civil no Sudão;
  • Migração forçada, pobreza, repressão e violência de gênero no leste da RD Congo, no Afeganistão e em Mianmar;
  • Violência das gangues no Haiti;
  • Escalada da violência na Palestina; 
  • Omissão na reconstrução da Síria;
  • Sistema humanitário global “à beira do colapso”.

“Em alguns países, mulheres e meninas são punidas por usarem roupa demais; em outros, por usarem roupas de menos. […] Meninas e mulheres estão desafiando o patriarcado – e vencendo. Eu estou com elas.”

Presidente do Brasil, Lula da Silva:

“É fundamental preservar a liberdade de imprensa. Um jornalista, como Julian Assange, não pode ser punido por informar a sociedade de maneira transparente e legítima.”
  • A dificuldade de garantir a criação de um Estado palestino;
  • A crise humanitária no Haiti;
  • O conflito no Iêmen;
  • As ameaças à unidade nacional da Líbia;
  • As rupturas institucionais em Burkina Faso, Gabão, Guiné, Mali, Níger e Sudão.
  • O risco de golpe na Guatemala;
  • A guerra da Ucrânia.

Presidente dos EUA, Joe Biden:

  • Estagnação em regime de controle de armamentos;
  • Desnuclearização da península coreana;
  • Veto à nuclearização do Irã;
  • Crise humanitária no Haiti;
  • Abusos de direitos humanos em Xinjiang, na China; no Irã; em Darfur, no Sudão, dentre outros casos;
  • Violência de gênero e barreiras à participação social de mulheres e meninas.