Brasília | 24 de outubro de 2023 | por Rodney Amador
Mesmo para quem tem acompanhado de perto o noticiário político argentino, os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais, divulgados na noite do último domingo (22), dia no qual os argentinos foram às urnas, foi uma surpresa: o candidato do governo, atual ministro da Economia, Sergio Massa atingiu 36,68% dos votos, ficando à frente do libertário Javier Milei, que atingiu 29,98% com 98% dos votos já apurados. A surpresa diz respeito à alteração do cenário das PASO, eleições primárias obrigatórias da Argentina, no qual Milei havia sido o mais votado.
O que estes dados informam sobre a política argentina? O que eles podem informar sobre o segundo turno? A Vector Research reuniu uma série de informações para tentar responder estas perguntas e oferecer insights a todos os interessados – e preocupados – com o futuro eleitoral do nosso vizinho.
⏩ É O FIM DA POLARIZAÇÃO?
A polarização da política argentina é tão grande e reconhecida que, popularmente, é apelidada de la grieta , “o abismo”. A percepção popular, por sua vez, é acompanhada pelos dados. De acordo com o Edelman Trust Barometer, a Argentina é, de longe, o país mais polarizado da região. Nas urnas, a polarização geralmente toma a forma de dois campos distintos, um peronista e outro não-peronista, que já foi liderado pelo tradicional partido argentina Unión Cívica Radical (UCR) e, mais recentemente, pelo partido Propuesta Republicana (PRO), partido do ex-presidente Maurício Macri e de Patricia Bullrich, que ficou fora do segundo turno de 2023. Os dois partidos, no entanto, compõem a coligação Juntos por el Cambio (JxC), principal força da oposição argentina atual.
A trajetória das pesquisas de opinião e das eleições provinciais (o calendário eleitoral das províncias nem sempre coincide com as eleições presidenciais) indicavam um crescimento da oposição em relação ao governo. A expectativa, portanto, era a manutenção da mesma disputa dos últimos 10 anos: um candidato dos peronistas (fosse kirchnerista ou não) e um candidato do JxC. A surpresa foi o surgimento de uma terceira força, representada pelo libertário Javier Milei. O cenário ficou claro nas PASO: 29,86% para Milei, único representante de seu partido La Libertad Avanza; 28% para os dois candidatos do JxC (Patricia Bullrich e Horário Larreta); 27,28% para os candidatos do governo (Sergio Massa e Juan Grabois).
O ponto é que a posição de Milei não se trata de um terceiro campo em relação à polarização tradicional do país: ao contrário, ele a reforça. Milei se diz anti-peronista e sua plataforma é, com estas palavras, destinada ao “fim do kirchnerismo”. Ou seja, o que se vê neste primeiro turno é o surgimento de um novo conteúdo para o anti-peronismo, e a perda de espaço para a oposição tradicional.
⏩ O FRACASSO ELEITORAL DO JxC
Independentemente do que aconteça no dia 19 de novembro, data do segundo turno, o principal derrotado desta eleição é justamente a oposição tradicional do Juntos por el Cambio. Os dados das eleições, compilados pela CNN argentina pelo portal Infobae revelam o tamanho do tombo da coligação em relação à eleição anterior, de 2019, e em relação a PASO realizada em 2021. Tanto em uma como em outra, as províncias que haviam dado a maioria dos votos para a coligação migraram para Milei, em primeiro lugar, e, em alguns casos, para Massa, mesmo com o país amargando quase 140% de inflação.
Em comparação com o caso brasileiro, Milei realizou o mesmo feito que Bolsonaro em 2018, de passar a ocupar o polo antipetista das eleições presidenciais, no lugar do PSDB. Também em 2018 aqui, o cenário foi igual, locais nos quais o PSDB dominava os resultados presidenciais, como as regiões sul e sudeste, migraram para o então PSL de Bolsonaro à época. Resta saber se, ao longo do tempo, a JxC passará a ocupar um espaço mais marginal na política nacional como o PSDB se encaminhou aqui no Brasil, perdendo protagonismo.
⏩ MAS ENTÃO QUEM VAI VENCER?
Os resultados do primeiro turno deixam a situação em aberto: haverá uma disputa bastante aguerrida no próximo mês, que provavelmente seguirá para um debate mais focado nos ataques entre os candidatos do que na divulgação de suas plataformas eleitorais. Massa provavelmente lançará mão de uma estratégia de se colocar como o candidato moderado e razoável frente a figura polêmica do candidato libertário. Milei, por sua vez, pode tentar atenuar seu discurso político ou “dobrar a aposta”, tentando enfatizar sua posição anti-establishment, contra o que ele denomina de “casta política” do país. Tanto em um caso como em outro, os dois podem se beneficiar de uma participação maior dos eleitores: ainda que seja o menor comparecimento das últimas décadas, o aumento de 10% de comparecimento de eleitores em relação às PASO alterou o resultado do primeiro turno. Porém, como fica evidente, ajudou mais à candidatura de Massa do que a de Milei.
Um segundo ponto diz respeito a quem os votos de Patricia Bullrich e do JxC migrarão, que ainda é, sim, uma questão em aberto. Tanto Bullrich quanto a principal liderança da coligação, o ex-presidente Maurício Macri, parecem afeitos à ideia de apoiar Milei, ainda que tenham tido debates acalorados e troca de acusações durante a campanha para o primeiro turno. Horário Larreta, chefe de governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, por outro lado, é bastante próximo de Sergio Massa, o que poderia rachar a coligação. Além disso, há a UCR, a segunda força da coligação JxC. Apesar de sua tradicional rivalidade com os peronistas, seria um apoio que poderia migrar para Massa. A questão, no entanto, é que isto já pode ter acontecido no primeiro turno.
O gráfico dos departamentos na página anterior revelam que os estados do norte do país, alguns deles governados pela UCR, dividiram seus votos entre Milei e Massa. A disputa, portanto, será em um estado que não é governado pela UCR e que tradicionalmente vota no JxC, que é a província de Buenos Aires. Neste caso, o apoio dos políticos do PRO – Macri e Bullrich – será decisivo.